Estratégia do Nubank de não se tornar um banco, além de portabilidade salarial facilitada, podem explicar o porquê da fintech não oferecer conta salário
Aqui vai um fato curioso: o Nubank, que possui os títulos de banco digital, neobank, fintech, instituição financeira e instituição de pagamento, paga seus funcionários pelo Itaú. Aparentemente, isso ocorre porque o Nubank não oferece conta salário para a folha de pagamento e, por mais que tenha “bank” em seu nome, não é efetivamente um banco para evitar burocracia e taxas.
Em entrevista ao Tecnoblog, dois funcionários da fintech que confirmaram que, com a carteira assinada, recebem pelo Itaú. No entanto, eles podem solicitar a portabilidade salarial para uma NuConta, conforme as determinações do Banco Central de julho de 2018, que mudaram algumas regras ligadas à portabilidade da conta salário e facilitou a transferência para bancos digitais.
Ambos os entrevistados optaram por não terem seus nomes revelados, visto que seus superiores os orientaram a não conversar sobre assuntos financeiros com a imprensa. Enquanto um deles escolheu manter seu salário em uma conta-corrente do Itaú, o outro realizou a portabilidade salarial para sua NuConta.
No entanto, nenhum deles soube explicar exatamente o porquê do recebimento dos salários pelo Itaú. Por isso, entrei em contato com o Nubank para mais esclarecimentos sobre essa curiosidade.
A fintech não comentou diretamente a razão por trás disso, apenas confirmou que não oferece hoje uma conta salário, serviço terceirizado para o Itaú. Além disso, o banco digital se limitou a enviar um vago comunicado:
“Com a portabilidade salarial, os funcionários do Nubank podem usufruir de todos os benefícios de nossos serviços. Nosso foco é desenvolver produtos que sejam direcionados para os clientes”
Mesmo assim, tudo parece estar conectado à natureza estratégia do Nubank, que não é efetivamente um banco pelas regulamentações do Banco Central. Ele é, na realidade, muitas outras coisas, como uma instituição de pagamento e instituição financeira, por exemplo. Dito isso, a NuConta não é uma conta salário, nem corrente e nem poupança, mas sim uma conta de pagamento.
Nubank não é banco para evitar taxas e burocracia
Todos esses detalhes técnicos são mais complexos do que parecem. Conversei então com Bruno Diniz, especialista em fintechs e co-fundador e sócio da consultoria Spiralem, para entendermos melhor o que é o Nubank e sua estratégia em se manter burocraticamente “leve”.
“O Nubank surgiu em 2013 dentro de um novo arranjo regulatório onde se criou a figura da instituição de pagamento. Entre as coisas que ela pode oferecer, há a habilidade de fornecer uma conta de pagamento, onde o cliente consegue realizar transações e operacionalizar boa parte de sua vida financeira. Em paralelo, o Nubank também ofereceu cartão de crédito, mas nunca se tornou um banco.”
Bruno Diniz, co-fundador e sócio da consultoria Spiralem
O especialista em fintechs explicou em entrevista ao Tecnoblog que, até hoje, o Nubank não se tornou efetivamente um banco. Isso não é particularmente uma característica ruim. Sendo uma instituição de pagamento, o Nubank é livre de muitas burocracias (e taxas) que os bancos tradicionais carregam. Além disso, há algumas diferenças primárias, como onde o dinheiro é alocado.
Nubank Ultravioleta na maquininha de cartão (Imagem: Divulgação)
Um banco tem as chamadas “reservas fracionárias”, o que significa que o seu dinheiro pode ser investido em diversas opções e emprestado para outras pessoas, fazendo a economia girar, explica Diniz. Uma instituição de pagamento, por outro lado, mantém seu dinheiro ali mesmo, aplicado em títulos públicos.
No entanto, o porquê do Nubank pagar seus funcionários pelo Itaú é, em parte, um mistério. Na realidade, do ponto de vista regulatório, ele poderia oferecer um serviço de conta salário, se assim quisesse. No entanto, a fintech não quis responder por qual razão não o faz.
Com portabilidade, Nubank não precisa de conta salário
Sendo assim, temos nossas especulações. Sabemos que o Nubank não pode colocar uma conta interna na folha de pagamento de seus funcionários, já que só oferece hoje uma conta de pagamentos. É aí que entra o papel do Itaú, o agente terceirizado para a criação de contas salário.
De qualquer forma, pode não fazer sentido para o banco digital criar um serviço que pode lhe dar mais dor de cabeça do que benefícios. Seja pela burocracia ou por fatores financeiros, o Nubank não oferece uma conta salário porque não quer. Por isso, talvez seja mais interessante e prático manter sua parceria com o Itaú para os pagamentos internos.
“Na verdade, o Nubank não oferece serviços corporativos, ele trabalha com o Itaú e o Itaú atende contas corporativas. Então, eles têm toda uma questão de folha salarial para lidar e pode fazer mais sentido para eles manter as coisas assim, pagando por meios tradicionais em vez de criar sua própria conta salário”.
Bruno Diniz, co-fundador e sócio da consultoria Spiralem
O simples comunicado enviado pelo Nubank ao Tecnoblog corrobora um pouco com esta tese: “Nosso foco é desenvolver produtos que sejam direcionados para os clientes”. Ou seja, a fintech não está pensando muito em serviços para funcionários.
Além disso, desde as mudanças regulatórias sobre portabilidade salarial de 2018, isso não parecer ser um problema, ao menos não para os dois funcionários entrevistados. Um deles, que optou pela portabilidade para a NuConta, afirmou que a fez ainda em 2019 e que foi tudo extremamente simples e rápido, pois as novas normas do Banco Central permitem que o Nubank cuide de praticamente todas as etapas do processo.
No final das contas, com a portabilidade salarial, simples, rápida e fácil como é hoje, criar uma conta salário, algo que já é oferecido por bancos tradicionais, simplesmente não deve fazer sentido para o Nubank.
Nubank cria “megazord” para se aproximar de banco
Nubank se tornou conglomerado de instituições para se aproximar de ser um banco (Imagem: Divulgação/ Nubank)
Por mais que o Nubank não seja um banco, e nem pareça ser de seu interesse se tornar um, ele quase não tem limitações quanto aos serviços oferecidos. Em 2018, a fintech se tornou também uma instituição financeira com a criação da Nu Financeira.
Dessa forma, o banco digital passou a poder conceder crédito, como empréstimos, aos seus usuários, cobrindo assim diversas lacunas que ser apenas uma instituição de pagamentos deixava.
Bruno Diniz acrescenta que muitas fintechs seguem a mesma fórmula e se mantêm como instituições de pagamentos e instituições financeiras, driblando as complicações de ser realmente um banco.
Em 2021, o Nubank adquiriu ainda a Easynvest para cobrir os serviços de investimentos que antes era impossibilitado de oferecer. Então, segundo Diniz, “ele se tornou um conglomerado, uma espécie de ‘megazord’ financeiro”, para se assemelhar o máximo possível a um banco tradicional. “Hoje, convencionou-se no mercado chamar esses arranjos de bancos digitais”, concluiu o especialista.